terça-feira, 10 de abril de 2007

só guimarães rosa salva a pessoa nos momentos difíceis dessa vida

As aventuras de Lalino Salãnthiel na capital do país foram bonitas, mas só podem ser pensadas e não contadas, porque no meio houve demasia de imoralidade. Todavia, convenientemente expurgadas, talvez mais tarde apareçam, juntamente com a estória daquela rã catacega, que, trepando na laje e vendo o areal rebrilhante à soleira, gritou - "Eh, ahuão!..." - e pulou com gosto, e, queimando as patinhas, deu um pulo depressa para trás.
Portanto: não, não fartava. As huris eram interesseiras, diversas em tudo, indiferentes, apressadas, um desastre; não prezavam discursos, não queriam saber de românticas histórias. A vida... Na ritinha, nem não devia de pensar. Mas, aquelas mulheres, de gozo e bordel, as bonitas, as lindas, mesmo, mas que navegavam em desafino com a gente, assim em apartado, no real... Ah, era um outro sistema.
Aquilo cansava, os ares. Havia mal o sossego, demais. Ah, ali não valia a pena.
Ir-se embora? Não. O ruim era só no começo; por causa da inveja e das pragas dos outros, lá no arraial... Talvez, também, a Ritinha estivesse fazendo feitiços, para ele voltar... Nunca.
Caiu na estripolia: que pândega! Antes magro e solto do que gordo e não... Que pândega!
Mas, um indivíduo, de bom valor e alguma idéia, leva no máximo um ano, para se convencer de que a aventura, sucessiva e dispersa, aturde e acende, sem bastar. E Lalino Salãnthiel, dados os dados, precisava apenas de metade do tempo, para chegar ao dobro da conclusão.

página 78, "Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo", em Sagarana

porque não é? é uma grande verdade, essa. a aventura sucessiva e dispersa aturde e acende sem bastar. eu nem sei, sabem? porque eu concordo. mas concordo. nem deveria ser assim, eu penso. a aventura. não é com ela que a gente sonha dormindo e acordado, mesmo que nunca admita pra si mesmo ou para os outros? todo mundo aí queria ser peter pan ou pedrinho do sítio do pica-pau quando era criança ou era só eu? a aventura, ela mesma. que nunca basta, quando a gente a tem. é sempre longe, é sempre pouca. e a gente sabe disso. no fundo a gente sabe. que é com ela, a aventura, ela mesma, que a gente sonha, e que quando ela é real ela nunca satisfaz. porque não é? nada satisfaz a gente de todo nessa vida, nesse mundo. nem a aventura. que deveria, mas não satisfaz. e não é triste isso? que a gente sonhe dormindo e acordado com a aventura e que ela chegue e atordoe a gente e a gente perceba que, que puxa, eu queria tanto e agora eu tenho e, ó, nem me sinto assim pleno como eu pensava que iria me sentir. como eu pensava que deveria me sentir. tem sempre né? essa falta infeliz, esse vazio que nada preenche. é humano isso né? deve ser. bruno diria que isso é falta de roupa suja pra lavar, mas eu, sabem, eu duvido disso. a roupa suja pra lavar não preenche o meu vazio. nem a aventura. não de todo. e eu me pergunto se é comigo isso. ou se é assim que é e ponto. e eu me pergunto se isso um dia vai acabar. porque né? cansa. e me dá medo. viver a vida toda sentindo isso. mas, sabem, é a impressão que eu tenho. que isso nunca vai passar. e, sabem, não é nada alentador ter essa impressão. mas né? é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana, sempre. e isso também cansa. talvez ainda mais que tudo o mais.
às vezes tudo o que eu queria era adormecer deitada na areia da praia, na sombra de um coqueiro, e demorar bem muito a acordar.

6 comentários:

tautologico disse...

Eu sempre quis ser um jedi. Ou um samurai. No final é quase a mesma coisa os dois.

Mas em um sentido mais geral não, nada nunca satisfaz de todo. Mas tem uma questão de percepção, acho. Se a pessoa sabe que nunca estará plenamente satisfeita, então ela na verdade pode escolher estar satisfeita quando quiser, porque embora pareça não há uma relação entre as coisas que se tem e a satisfação. Essa relação é ilusória. A vida é uma ilusão, como diriam os budistas e mais alguns outros.

É algo assim. Só sei que se eu fosse um jedi (ou um samurai), seria muito massa :)

Bruno R disse...

satisfação tende a fazer a gente se acomodar. agora, nunca estar satisfeito tb...

eu acho q tou na outra ponta. eu fico satisfeito com qualquer coisa.. e já creio q isso nao eh tao bom quanto possa parecer.

Gio, fique bem. :*

gio disse...

tautologico _ tu tem cara de quem queria ser um jedi. faz sentido o que tu disse. nunca tinha pensado nisso.

erre _ também acho que não seja tão bom assim. bem que parece, mas desconfio que não é não. e eu fico bem, pelo menos eu me esforço, prometo :*

Anônimo disse...

Eu também tenho esse vazio sinistro, que coisa !
Beijos

gio disse...

fefê _ nossa esperança é um dia preenchê-lo não é? quero crer que sim. beijos pra tu também.

Anônimo disse...

gio, isso se chama, na psicanálise, a falta essencial... claro, não a insatisfação eterna, que é bem diferente da nunca-completa satisfação. a satisfação plena só na morte, é mais ou menos essa a idéia. a falta é o que move a gente, num nível bom, assim. agora, descobrir até quanto é o nível bom... ai, ai.