terça-feira, 24 de maio de 2005

Ser mãe é um troço bacana mesmo. Eu sei, o espírito do dia das mães passou faz tempo; eu sei, dia das mães é uma coisa superhipermastermega comercial; eu sei, eu já enchi o saco de todo mundo com a conversa sobre filhos do post passado. Não, eu não vou falar sobre como ser mãe é um troço bacana mesmo. Só queria dizer que eu adoro ganhar flores e presentes fofos, principalmente quando nem é meu aniversario.

Mais de um post em menos de um mês. Um recorde para os padrões desse pequeno mundo. O negocio é que eu ando com tempo livre. Tempo livre demais. Tempo livre é um sonho, um paraíso. Todo mundo vive buscando o tal tempo livre. No meu caso, tempo livre é uma merda. Tempo livre oriundo do desemprego, esse maldito. João e Guiom passam o dia fora de casa e eu passo o dia sozinha, em casa. Não é que eu não tenha o que fazer, claro que tenho. Donas de casa sempre têm coisas pra fazer aos montes e aqui em meus domínios, roupa limpa e comida fresca é lei. O pior de estar desempregado não é nem o fato em si, é o olhar enviesado da sua mãe e do seu marido, as pessoas às quais você passa a dever a sua alma.

Minha faxineira-anjo-da-guarda Bia viajou pro Rio. Foi passar uns tempos lá, lagarteando, a coitada. Quase morro intoxicada de inveja. E quando você começa a quase morrer intoxicada de inveja da sua faxineira, é hora de parar e pensar no que esta errado.

Pela primeira vez em minha vida eu enfrento o dilema que eu sempre quis enfrentar: dentre tantas opções de programas culturais, quais escolher para o próximo fim-de-semana? Estou comendo as unhas de dúvida, mas nunca minhas unhas foram tão saborosas. Enfim morar no Sudeste começa a fazer sentido pra mim, e já não era sem tempo.

Sábado dia 14 foi aniversário de Guiom e decidimos ir visitar duas exposições em São Paulo. A primeira do escultor inglês Henry Moore, em comemoração aos cem anos da Pinacoteca do Estado de São Paulo. A segunda, no MAM do Parque Ibirapuera, do acervo de Roberto Marinho, que conseguiu colecionar grandes obras dos principais artistas brasileiros do século XX. Eu nunca, ou raramente, falo aqui dos micos que pagamos, mas essa viagem teve trapalhadas tão absurdas que decidi compartilhar nossas aventuras com vocês, caros leitores.

Pra começo de conversa, nós, como qualquer pessoa normal, na minha humilde opinião, sempre nos perdemos em São Paulo. Tudo bem ate aí. O negócio complica porque Guiom, como todo homem normal, na minha não tão humilde opinião, detesta pedir informação ou encostar o carro pra examinar melhor o mapa. O mapa, é claro, fica sempre comigo, que não sou lá muito boa em orientação espacial, caso contrário não teria largado a faculdade de arquitetura no segundo semestre. Além de desorientada eu sou míope, o que me leva a precisar chegar o mapa pra perto dos olhos, senão eu não vejo porra nenhuma mesmo. Aí meu próprio marido tem uma síncope: daquele jeito, todo mundo vai ver a placa de João Pessoa do carro, a cara dele de gringo e a minha cara desolada diante do mapa de ruas de São Paulo e então vão assaltar, seqüestrar e matar os turistas. Um verdadeiro drama; e assim seguimos rodando pela cidade toda até conseguir chegar em algum lugar. Enfim, perto do meio dia chegamos na Pinacoteca. Vimos a mostra do Henry Moore em mais ou menos uma hora. João amou tudo, mas reclamou que as esculturas não eram coloridas (é uma criança exigente, sabe?). Na saída ficamos com fome. Pra não pagar dez reais por um pf naquela cidade inflacionada, levamos sanduíches e frutas na mochila. Meu plano era sentar no jardim da Pinacoteca e fazer um piquenique. Mas era sábado e o jardim estava cheio de gente com cara esfomeada. Então, meu próprio marido e meu próprio filho, assim, sem a menor cerimônia, sentaram no café chiquérrimo da Pinacoteca, cheio de gente intelectualizada e chiquérrima, abriram a mochila e puseram-se a comer o pão francês enrolado no papel bege da padaria. Momento-cara-no-chão. Fiz o que me pareceu correto fazer: dei um chilique, fiz um escândalo discreto pra não chamar ainda mais atenção, disse que não conhecia nem um dos dois e fui comer lá do outro lado, no jardim, com os esfomeados em volta e tudo. De lá fomos no MAM. O parque tem um lago cheio de patos, cisnes, garças e peixes espertinhos que só faltam falar pra pedir a comida da galera que fica relaxando na grama; em cima do lago tem uma ponte cheia de gente boba alimentando os animais espertinhos. Subimos na ponte e meus dois malas de estimação pediram comida pra jogar pros bichos espertinhos também. Dei uma bolacha só, pra não compactuar com aquilo. E me distraí, olhando o horizonte. Quando olho pros malas, estão os dois cuspindo no lago e morrendo de rir com a idiotice dos bichos que corriam ou voavam ou nadavam pra comer o cuspe deles. Momento-mais-cara-no-chão-ainda. Fiz o mesmo que da primeira vez: dei um chilique, fiz um escândalo não tão discreto, disse que não conhecia nem um dos dois de novo e sai de perto. Entramos no MAM e começamos a ver as obras. Mas aí já eram quatro da tarde e João estava de saco cheio de desenhos, pinturas, esculturas, instalações e afins. Meio emburrado, sentou num canto de parede esperando a hora de ir embora. Vi quando Guiom chegou perto dele para acalentá-lo e desliguei o modo mãe-alerta. Quando olhei em volta, cadê os dois? Entrei em pânico, interroguei todos os seguranças, alarmei todos os guias, funcionários, visitantes, Deus e o mundo. Chorei, chorei, berrei, berrei, e lembrei de dar mais um volta no museu. Quando cheguei no ultimo espaço notei que havia uma salinha exibindo um documentário. Entrei na salinha de cara inchada e dei de cara com os dois, sentadinhos , quietinhos, tranquilinhos. Dei um chilique gigante, fiz o escândalo-mor e nem me dei ao trabalho de dizer que não conhecia nenhum dos dois, fui embora do museu com eles correndo atrás de mim e todo mundo me olhando com uma cara de como-assim-os-dois-estavam-lá-o-tempo-todo-e-ela-não-viu-?. Passaram dois dias pedindo desculpas, mas até agora tenho raiva quando lembro. Falta de noção é um item em excesso nessa família.

Se eu disser que João ficou curado vou estar mentindo. Ele não teve mais febre, mas ainda tosse e vomita de vez em quando. Acabei de dar a ele o oitavo remédio desde que essa crise de sei lá o que começou e não sabia mais o que fazer, até que, conversando com as mães e professoras da escola, me disseram pra tentar inalação. Santo remédio! Foi a única coisa que conseguiu fazer aquela tosse de cachorro ceder um pouco. Já tinha levado o coitado ao hospital quatro vezes e, como aquela criatura é o Senhor Sociabilidade, todo mundo lá conhece a gente agora. Aliás, todo mundo de todos os lugares que a gente freqüenta conhece a gente por causa de João. Quando crescer vai ser vereador o menino.

Nossa atual querela com ele é deixar ou não que ele pegue o sotaque campineiro. Sim, porque, depois de cinco meses aqui ele já fala canetchinha (em vez de canetinha) e poreta (em vez de porta). Preciso nem dizer o que eu penso sobre o assunto, né? Por outro lado é preciso deixar que ele tenha liberdade pra falar como quiser, e falar como as crianças daqui é uma forma de se igualar a elas e inserir-se no grupo.

Tenho visto muitos filmes bons mas não estou exatamente a fins de fazer uma lista, por isso só vou falar de dois: "O Retorno" e "Bem-me-quer, Mal-me-quer". O primeiro é russo, sombrio, mítico e tem uma fotografia tão linda que chega a assustar. O segundo é francês, aparentemente leve, aparentemente colorido e me surpreendeu com a reviravolta na narrativa. Recomendo os dois, mesmo pra quem não simpatiza muito com o cinema russo ou com o francês.

Desde o dia 8 só escuto um cd: "Essa Boneca Tem Manual" de Vanessa Da Mata, que eu queria há um tempão e finalmente ganhei (ser mãe é um troço bacana mesmo). Vanessa tem uma voz poderosa e suave, e a criatividade de suas composições me faz lembrar minha amada Marisa Monte.

Domingo dia 15 aconteceu uma coisa sinistra: arrombaram de novo a janela da sala daqui de casa. Foi a segunda vez em pouco tempo e dessa vez fizeram um estrago grande. Como eram os mesmos ladrões burros da primeira vez, eles quebraram o vidro e o cadeado e entortaram tanto a estrutura de ferro que não conseguiram entrar e não roubaram nada. Tivemos sorte de novo mas não queremos ficar aqui pra ver um terceiro arrombamento, dessa vez quem sabe, mais bem sucedido. Já começamos a providenciar nossa mudança. Achamos uma casa num condomínio perto daqui, bem menor mas bem mais segura. E pra nos convencer de que é mesmo preciso ir embora, descobrimos que as duas casas da frente são um terreiro de macumba e uma boca de fumo. Nada especificamente contra macumbeiros e traficantes, que não quero entrar no mérito da questão, o caso é que meu marido francês não quer mais morar aqui de jeito nenhum.

Eu já falei da minha viagem aqui? Se não falei vou falar, é bom que todo mundo fica logo sabendo: chego em João Pessoa dia 2 de julho e só volto pra cá dia 8 de agosto. Bom demais, né não? O melhor de tudo é que vou assistir dois casamentos importantíssimos: o de Patrícia e Fabien (que já são casados em solo francês, mas querem fazer uma festinha brésilienne; que moram hoje na Guiana Francesa mas estão mexendo as anteninhas pra sair de lá; que são nossos padrinhos de casamento e estão grávidos!) e o de Isabella e Anderson, o casal mais centrado da zerozeroum (que além disso é o casal mais imbatível em termos de jogatinas quaisquer). Eu e João estamos contando as horas pro dia da viagem chegar...

quarta-feira, 11 de maio de 2005

Só pra fugir da regra (e enquanto meu sócio Bruno não organiza os links por aqui): a zerozeroum (codinome da nossa turma de faculdade, e agregados) tem um fotolog comandado por Milena Má. Quase todo mundo que passa por aqui tá lá, por que vocês não dão uma espiadinha?

Fotolog Zerozeroum e Ilustres Agregados

quarta-feira, 4 de maio de 2005

E então, de repente, sem mais nem menos e com o desespero típico das grandes catástrofes naturais, eis que pousa nada suavemente sobre nós um frio colossal. Eu ando me virando bem, com meus casaquinhos e minhas poucas experiências com baixas temperaturas. Meu pequeno João, no entanto, sofre. Comprei um monte de roupas quentinhas pra ele, mas não adiantou: quarta-feira eu e Guiom saímos de casa às sete da manhã para levá-lo ao hospital com uma febre de quase quarenta graus. Tomamos um susto quando a pediatra de plantão nos alertou para o risco de pneumonia. Meu coração parou por um longo instante. Senti os pés dormentes e vi as paredes girando ao meu redor. ¿Quero ir embora daqui¿ pensei na hora, quase sem querer. Quero mesmo, não é segredo pra ninguém. Nesse longo instante de delírio, eu quis mais do que nunca. Com os remédios, os cuidados, o repouso, João está melhor, mas ainda tosse muito. Estamos com medo, mas não há muito que possamos fazer além do que já fazemos.

Pior coisa da vida é ver filho sofrer. Imagine a pessoa que você mais ama no mundo. Agora imagine que você a ama muitas vezes mais. Então imagine ela sofrendo sem que você possa fazer muita coisa. Imaginou? Agora responda: você agüenta? Se agüenta, parabéns! Você já pode ter um filho! Ter um filho é isso. É mais do que enlouquecer e se emocionar todo dia. É ver a pessoa mais preciosa do mundo sofrer e não poder fazer nada às vezes. Primeiro porque às vezes você não pode fazer nada mesmo; segundo porque é preciso deixar sofrer, pois é sofrendo que a gente cresce.

Eu queria ter outro filho. Guiom acha que não temos estrutura financeira. Ele acha também que não tem estrutura emocional. Eu respeito. Tem gente que acha que para ter um filho é preciso somente grana, tempo, paciência e amor. Não é pouco, mas tem mesmo gente que acha que é só. E erra feio.

Ter um filho exige uma coisa que pouca gente tem e menos gente ainda está interessada em adquirir. Ter um filho exige desprendimento. O amor é a coisa mais importante. Mas, assim como não é o amor que segura um casamento, não é o amor que te habilita a ter um filho e criá-lo dignamente. Ter desprendimento é saber que seu filho é uma parte de você, mas que é uma parte de você fora de você, que um dia, vai levantar e sair andando pelo mundo com as próprias pernas. Ter desprendimento é saber que, embora seu filho sempre vá ser uma parte de você, ele é uma outra pessoa, com outras idéias e outros caminhos. Ter desprendimento é saber que seu filho dificilmente vai ser a pessoa que você gostaria que ele fosse, ou a pessoa que você queria ter sido e não foi. Ter desprendimento é amar o seu filho não importa quem ele seja; ou, quem sabe, não amar, e não se sentir culpado por achar que tem a obrigação de amar alguém que você despreza, só porque esse alguém é seu filho.

O problema é que quase todos os pais e mães que eu conheço não têm esse desprendimento. Minha mãe não tem. Ela me ama mais que tudo e eu a amo também e ela é uma mãe ótima. Mas desprendimento, esse de que eu falo, ela nunca teve. Sempre quis que eu fosse diferente. Mais alegre, mais convencional, mais gorda. Adiantou? Não. Tudo o que ela conseguiu foi que eu crescesse culpada por frustrar as expectativas dela. E olha que não eram poucas, visto que eu sou uma filha única que nasceu depois de um tratamento de fertilidade de seis anos, visto também que ela perdeu outros dois filhos em dois abortos terríveis que traumatizaram a família toda, visto ainda que ela perdeu o marido quando a filha do casal (essa que vos escreve) tinha apenas nove anos. Não foi fácil pra mim, mas pra ela deve ter sido um inferno. Eu entendo o quanto eu decepcionei; mas entendo também que eu não poderia ter deixado de engravidar aos dezoito anos, ter deixado de me casar com um estrangeiro tão esquisito quanto eu porque ele é o cara que eu amo, ter deixado de abandonar o curso de direito na metade porque eu odiava aquilo lá. Não poderia ter vivido uma vida que não era a minha só porque era a vida que minha mãe planejou pra mim. Eu fui a rainha da rebeldia sem causa na minha adolescência. Hoje eu sei que tudo o que eu queria era ser livre pra escolher. E eu fui livre, de certa forma, não posso dizer que não fiz minhas escolhas, porque eu fiz sim. Mas eu briguei muito por causa delas, e eu acho que eu não precisaria ter brigado tanto se a minha mãe tivesse compreendido o que se passava no meu coração.

Não sei como vai ser quando João crescer. Talvez ele escolha um caminho que seja totalmente contrário a tudo em que eu acredito, a tudo o que eu respeito. Se isso acontecer, eu espero sinceramente que nosso bom senso providencie toda a tolerância de que a gente precisar pra sobreviver, seguir em frente e ser feliz.