quarta-feira, 4 de maio de 2005

E então, de repente, sem mais nem menos e com o desespero típico das grandes catástrofes naturais, eis que pousa nada suavemente sobre nós um frio colossal. Eu ando me virando bem, com meus casaquinhos e minhas poucas experiências com baixas temperaturas. Meu pequeno João, no entanto, sofre. Comprei um monte de roupas quentinhas pra ele, mas não adiantou: quarta-feira eu e Guiom saímos de casa às sete da manhã para levá-lo ao hospital com uma febre de quase quarenta graus. Tomamos um susto quando a pediatra de plantão nos alertou para o risco de pneumonia. Meu coração parou por um longo instante. Senti os pés dormentes e vi as paredes girando ao meu redor. ¿Quero ir embora daqui¿ pensei na hora, quase sem querer. Quero mesmo, não é segredo pra ninguém. Nesse longo instante de delírio, eu quis mais do que nunca. Com os remédios, os cuidados, o repouso, João está melhor, mas ainda tosse muito. Estamos com medo, mas não há muito que possamos fazer além do que já fazemos.

Pior coisa da vida é ver filho sofrer. Imagine a pessoa que você mais ama no mundo. Agora imagine que você a ama muitas vezes mais. Então imagine ela sofrendo sem que você possa fazer muita coisa. Imaginou? Agora responda: você agüenta? Se agüenta, parabéns! Você já pode ter um filho! Ter um filho é isso. É mais do que enlouquecer e se emocionar todo dia. É ver a pessoa mais preciosa do mundo sofrer e não poder fazer nada às vezes. Primeiro porque às vezes você não pode fazer nada mesmo; segundo porque é preciso deixar sofrer, pois é sofrendo que a gente cresce.

Eu queria ter outro filho. Guiom acha que não temos estrutura financeira. Ele acha também que não tem estrutura emocional. Eu respeito. Tem gente que acha que para ter um filho é preciso somente grana, tempo, paciência e amor. Não é pouco, mas tem mesmo gente que acha que é só. E erra feio.

Ter um filho exige uma coisa que pouca gente tem e menos gente ainda está interessada em adquirir. Ter um filho exige desprendimento. O amor é a coisa mais importante. Mas, assim como não é o amor que segura um casamento, não é o amor que te habilita a ter um filho e criá-lo dignamente. Ter desprendimento é saber que seu filho é uma parte de você, mas que é uma parte de você fora de você, que um dia, vai levantar e sair andando pelo mundo com as próprias pernas. Ter desprendimento é saber que, embora seu filho sempre vá ser uma parte de você, ele é uma outra pessoa, com outras idéias e outros caminhos. Ter desprendimento é saber que seu filho dificilmente vai ser a pessoa que você gostaria que ele fosse, ou a pessoa que você queria ter sido e não foi. Ter desprendimento é amar o seu filho não importa quem ele seja; ou, quem sabe, não amar, e não se sentir culpado por achar que tem a obrigação de amar alguém que você despreza, só porque esse alguém é seu filho.

O problema é que quase todos os pais e mães que eu conheço não têm esse desprendimento. Minha mãe não tem. Ela me ama mais que tudo e eu a amo também e ela é uma mãe ótima. Mas desprendimento, esse de que eu falo, ela nunca teve. Sempre quis que eu fosse diferente. Mais alegre, mais convencional, mais gorda. Adiantou? Não. Tudo o que ela conseguiu foi que eu crescesse culpada por frustrar as expectativas dela. E olha que não eram poucas, visto que eu sou uma filha única que nasceu depois de um tratamento de fertilidade de seis anos, visto também que ela perdeu outros dois filhos em dois abortos terríveis que traumatizaram a família toda, visto ainda que ela perdeu o marido quando a filha do casal (essa que vos escreve) tinha apenas nove anos. Não foi fácil pra mim, mas pra ela deve ter sido um inferno. Eu entendo o quanto eu decepcionei; mas entendo também que eu não poderia ter deixado de engravidar aos dezoito anos, ter deixado de me casar com um estrangeiro tão esquisito quanto eu porque ele é o cara que eu amo, ter deixado de abandonar o curso de direito na metade porque eu odiava aquilo lá. Não poderia ter vivido uma vida que não era a minha só porque era a vida que minha mãe planejou pra mim. Eu fui a rainha da rebeldia sem causa na minha adolescência. Hoje eu sei que tudo o que eu queria era ser livre pra escolher. E eu fui livre, de certa forma, não posso dizer que não fiz minhas escolhas, porque eu fiz sim. Mas eu briguei muito por causa delas, e eu acho que eu não precisaria ter brigado tanto se a minha mãe tivesse compreendido o que se passava no meu coração.

Não sei como vai ser quando João crescer. Talvez ele escolha um caminho que seja totalmente contrário a tudo em que eu acredito, a tudo o que eu respeito. Se isso acontecer, eu espero sinceramente que nosso bom senso providencie toda a tolerância de que a gente precisar pra sobreviver, seguir em frente e ser feliz.


22 comentários:

gio disse...

Hmmmm, senti uma conexão qlq entre nós duas!! :D
Adorei teu texto e mal posso esperar pra ler mais!
Concordo quando vc fala que o desprendimento é essencial. E é mesmo mais difícil de amar assim. Vamos esperar que sejamos boas mães de adolescentes! Bjos

Manu | Homepage

gio disse...

Bem dito, ou escrito. Eu sei o que é decepcionar algumas expectativas dos pais, acho que quase todo mundo sabe o que é isso em algum grau. Enfim, melhoras a João, e que um pouco do calor daqui vá para Campinas. Ei, não seria uma má idéia...

Andrei | Homepage

gio disse...

Gio, eu te acho uma pessoa extremamente especial. Você tem uma sensibilidade indescritível, é culta, é pop, uma ótima mãe, mas ao mesmo tempo tem uma ar de garota que sonha, de que é tudo isso, mas não é nada disso... Eu queria ter dito isso no post anterior. Será que você me entendeu? PS: Estou com hepatite A. A recuperação varia de 1 a 2 meses, ou mais. Logo, minha data está em observação... :S

Zabella

gio disse...

Além do mais, ninguém recebe as pessoas tão bem como você para um bom cineclube/jogatina :/

Zabella

gio disse...

Unanimidade sobre a qualidade do texto. Agora eu fiquei aqui pensando com meus botões: ainda bem que jão não está na França. o frio lá e de lascar o cano. /// Concordo com Andrei, todo mundo sabe o que é não conseguir (ou não querer) satisfazer as expectativas dos pais.

Mythus | Homepage

gio disse...

Manu, que bom te ver por aqui, seja bem vinda! Andrei, não seria nada mal mesmo! Zabella, quirida, são seus olhos, flor, amo tu, vice? Myt, nem fale no frio da França, sei bem como é aquilo lah... Bjins a todos!

Gio

gio disse...

Ola Gio,
bem vinda a Campinas,ta achando aqui muito gelado?
Na capital é pior!
Bom trabalho no HC/Unicamp e sempre que for possível passarei por aqui ,beijos e se precisar é so chamar

Moniquinha/cps

gio disse...

ow... melhoras pra joão
e beijo pra tu :*

milena | Homepage

gio disse...

Gio, ainda acompanho você por aqui... Sei que vai ficar bem batido dizer isso nesse post, especificamente, mas é que faz um bem danado ler seus relatos, suas idéias... Posts enormes e tão bem recheados que quando acabam deixam mesmo uma pontinha de saudade, já. E mesmo sem conhecer você tenho uma enorme simpatia. Então espero que seu filhote, tão especial, melhore logo. E que você fique bem, aí em Campinas ou em qualquer outro lugar!
beijo

Lilith

gio disse...

Graaande Gio.. Concordo com td, apesar de eu nunca ter me expressado sobre o tema com tamanha maestria e conhecimento de causa. Foi bem aquele negócio: "vc falou td q eu sempre pensei e que eu nunca tinha conseguido explicar, verbalizar, etc.." E melhoras pra João. Não há de ser nada, é o caso só de se adaptar, tu vai ver.. :)

Luís

gio disse...

Moniquinha, é muito bom conhecer gente daqui de Campinas, e eu tou morrendo de frio porque minha terra é muito quente! Mi, Juca tah melhor agora; Lilith, fico muito feliz em saber que tu gosta de ler meus gigaposts, também sinto uma grande simpatia por você, eu te vi uma vez, no Café Emporio, tu tava conversando com Bruno, mas ele nem apresentou a gente... Luis, quirido, que bom que tu concorda, vais ser um bom pai! bjins a todos!

Gio

gio disse...

fikei mudo

Laranja

gio disse...

gio, soh falta tu no orkut. ta esperando o q? deixe de ser anacronica. :P

Laranja

gio disse...

em coro com a lilith sobre a simpatia. eu não sou voyeur. sou catalisadora (a que cata) de emoções. rá! :)

li | Homepage

gio disse...

Fazia tempo que não aparecia por aqui, mas continuo amando seus textos. Que verdade mais verdadeira o que vc falou sobre os filhos. É isso mesmo o que a gente sente. Tenho certeza de que vc é uma ótima mãe. Até mais,

Pops | Homepage

gio disse...

Feliz Dia das Mamis, Giovanka Lillig!

Zabella

gio disse...

Gio, querida! Maravilhoso seu post, imagine como me identifiquei. Eu dando meus primeiros passos como mãe da pequena Ana Júlia, cheia de incertezas, mas me realizando muito. Realmente essas criaturinhas maravilhosas chegam em nossas vidas na hora certa, revolucionando, é certo, porém fazendo um bem danado. Acredito também na força do desprendimento, o que não é fácil, mas eficaz para a felicidade de nossos filhos. Desejo muita saúde para o lindo João, que com certeza estará bem logo, logo. Beijão.

Carol Pacheco

gio disse...

Laranj, meu bem, ficasse mudo porque? e eu não sou nada anacronica, viu? Li, Pops, sintam-se em casa! Zabella, amore, brigada! Carola, que bom te ver por aqui, que bom saber que você e sua pequenina vão bem! bjins a todos, de novo!

Gio

gio disse...

Parabéns pelo Dia das Mães....
será que tu recebeu meu e-mail?
será que tu me mandou fotos? hehehe
beijos

milena

gio disse...

Mi! saudades de tu, tão imensas quanto a distância Campinas - Brasilia... bjins nas duas bochechas!

Gio

gio disse...

Gio, isso não vai ter nada a ver com o post nem com nada. É o seguinte: qdo eu copiei os cds naquele tempo, teve um daqueles que eu copiei meio nas pressas e não peguei o nome. Só lembro que era um que tinha a capa quase toda em azul (tinha uns detalhes, uma cidade, não sei), com um galego com uns óculos escuros, espelhados (a foto é pegando ele meio de baixo). O título na capa, se lembro bem, é em cima e escrito em amarelo. As músicas são em inglês, não é muito conhecido por aqui. Bom, se tu puder me dizer que cd é esse.. =]

Luís

gio disse...

Beleza, Lu, vou procurar!

Gio