quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Aí tem essa coisa louca do pertencimento. Ou da visibilidade. Que eu fui numa palestra do Gilberto Dimenstein e li o livro novo dele e fiquei sabendo que pertencimento e visibilidade são conceitos formalmente elaborados que as pessoas cultas discutem em círculos intelectuais privilegiados. E fiquei sabendo também que as pessoas violentam umas às outras e a si mesmas porque se sentem invisíveis e não-pertencedoras a lugar ou pessoa ou grupo algum.

E eu me dei conta de que às vezes é assim que eu me sinto. E eu nem sei porque que eu nem tenho razões pra isso. Mas é dessa forma que calha de ser. E, um dia, uma qualquer e mínima coisa ocorre e plim. Eu me sinto invisível e não-pertencedora de lugar algum, de pessoa alguma; de grupo algum nesse pequeno mundo. Chamem isso de liberdade se quiserem. Eu já chamei, um dia. Mas a pessoa cresce e tem filho e vê a própria mãe envelhecendo e esse conceito de liberdade ( e independência) passa a ser algo complexo.

Porque, percebem? É preciso ter asas. Mas para fazer a mágica de criar asas é preciso ter raízes. E, um dia, bom tempo depois de você ter deixado a barra da saia da mãe, você se pega se perguntando de que forma você poderá criar asas se você não consegue criar raízes, uma vez que a vida que você leva é uma vida vivida hoje aqui e amanhã sabe-se lá onde. E você diz isso à sua terapeuta e ela lhe pergunta se, uma vez que criar raízes era seu objetivo em sua vida, por que raios você se casou com um estrangeiro? E você sorri amarelo e se cala, porque, c'est vrai,você não sabe por que.

E aí como se não fosse grande o bastante a sua agonia, a sua família e amigos, antes concentrados no Brasil e na França, se espalharam de vez.

Seus sogros vão morar nos EUA, dois amigos íntimos em Guadalupe, um na Jordânia e mais dois na Índia. E sua única e amada cunhada nessa vida, faz o quê? Vai pra Índia também. E se apaixona por aquilo lá, assim como todos os seus amigos que por lá estiveram, e pior dos piores, assim como se apaixonou por aquilo lá seu próprio marido, não muitos anos atrás.

E a Índia, que antes já não era um lugar tão longe assim, uma vez que é pequeno, trop pequeno esse mundo, agora ficou mais perto do que nunca.

Medo. Grande. Grande medo.

Chamem os bombeiros mais uma vez.

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

A revista Época dessa semana trouxe uma matéria intitulada "Só as mães são sinceras". Eu não gosto da Época. Eu nem devia dizer isso, agora que eu tenho uma amiga que é repórter lá (Rê, tu lê isso aqui? Diz que não, vai). Mas eu tenho que admitir que essa edição foi feliz abordando esse tema espinhoso. Pra resumir, a matéria fala sobre como as mães de hoje _ entendam, as mães com filhos relativamente pequenos, e que têm qualquer idade entre 20 e 40 anos _ estão cada vez menos temerosas em assumir que sim, ter filhos é dramático. E segue, falando dos blogs das mães modernas porém desesperadas, e de como esses veículos, de certa forma, auxiliaram essa mudança de postura diante da maternidade.

Porque vocês lembram. Cinqüenta anos atrás as mães eram somente mães e pronto. Não se esperava muito delas e elas ficavam quietas. Aí veio a tal da revolução feminista e as mães tiveram que trabalhar fora, subir na carreira, administrar bem a casa, dar beijinhos e coisinhas mais aos maridos antes de irem dormir, ter um corte de cabelo bacana, usar as roupas do momento, entender o mundo e acompanhar as noticias, sair com os amigos e se divertir com eles, dedicar-se ao restante da família e, ainda por cima, como se tudo isso não bastasse, criar filhos bonitos, inteligentes, saudáveis e felizes.

Percebem o grau de irrealidade da condição humana desse ser. Não é difícil concordar que essa mãe jamais de la vie conseguiria operacionalizar tudo isso. E nunca conseguiu. Minha própria mãe é uma prova cabal disso. Alguma coisa, uma delas, ou duas, acabou sempre ficando de lado. Às vezes calhou de ser a filha. Mas as mães produtos do feminismo eram (e são) incapazes de assumir que falharam. E essa é a diferença entre essa geração e a geração de mães na qual a minha pessoa está inserida.

As mães da geração de mães na qual a minha pessoa está inserida ainda têm que trabalhar fora, subir na carreira, administrar bem a casa, dar beijinhos e coisinhas mais aos maridos antes de irem dormir, ter um corte de cabelo bacana, usar as roupas do momento, entender o mundo e acompanhar as noticias, sair com os amigos e se divertir com eles, dedicar-se ao restante da família e, ainda por cima, como se tudo isso não bastasse, criar filhos bonitos, inteligentes, saudáveis e felizes.

A diferença crucial é que as novas mães são sim capazes de assumir não somente que falham, mas também de gritar bem alto pra todo mundo ouvir: não, tudo isso, eu não consigo. E mais, têm a coragem de pensar e verbalizar a frase complexa:

TER FILHOS É DRAMÁTICO.

É claro que não são todas as mães. Eu conheço um monte delas que age como se a maternidade fosse a coisa mais celestial dentre as coisas terrenas. Pessoas, às vezes é. Mas muitas vezes, não é de maneira alguma.

Ter filhos não é só dramático. É monótono, solitário e angustiante. Faz a gente ter vontade de morrer. Faz a gente ter vontade de matar. O filho, inclusive. Faz a gente se perguntar "putz, o que foi que eu fiz da minha droga de vida?". Faz a gente se arrepender e pensar que sem aquela criaturinha pequena, gorducha e chorona, a gente poderia estar num lugar longe e bacana, curtindo a vida adoidado.

É verdade. Mas pouca gente assume. Ou assumia, porque, graças aos deuses, e aos blogs, essa falsidade generalizada anda capengando.

Eu mesma. Por mais que eu sempre tenha pensado tudo isso, eu não lembro de ter dito de maneira clara nenhuma vez. Lendo a matéria eu me dei conta disso. E vim correndo escrever esse post.

Porque entendam. João é tudo na minha vida. E é uma criança altamente bem resolvida, que nunca me deu muito trabalho. Mas eu fiquei grávida aos dezoito anos, de uma cara que não significava muita coisa, e tive que rebolar, rebolar e rebolar pra fazer faculdade, trabalhar, namorar, manter os amigos e cuidar dele. Não, pessoas, não foi fácil, vocês devem imaginar. E teve umas horas demasiado trágicas, em que eu cogitei dar veneno a ele e depois tomar uma dose eu também. Ora bolas, a pessoa surta. Quem não tem filhos não deve ter muita noção, mas a pessoa definitivamente surta. É preciso um bocado de apoio, autocontrole, terapia e (por que não?) remedinhos faixa preta pra agüentar o tranco.

Mas o mais importante é: revelar A Verdade às demais pessoas. Ter filhos é dramático. Não se enganem. Pensem cinco vezes antes de casar. Pensem cinco mil vezes antes de ter filhos. No fim das contas, é uma criaturinha, sem culpa da sua maluquice, que você põe no mundo, e que merece ser bonita, inteligente, saudável e feliz. E você, uma vez que pôs ela no mundo, tem toda responsabilidade sobre isso. E precisa estar pronto pra encarar.

Então, ficamos assim combinados. Não façam filhos sem querer muito isso, certo? Já que a gente não consegue diminuir a infelicidade nesse mundo bandido, pelo menos, vamos evitar aumentar, né?