terça-feira, 19 de abril de 2005

Enfim faz calor em Campinas. Faz, na verdade, um calor terrivel, que não fica devendo nada ao calor do Nordeste. Parou de chover mas às vezes faz frio. Um clima louco, resumindo. Eu tento me acostumar e não reclamar muito, pois dizem que em um mês vai começar a nevar por aqui¿

João, o deslumbrado, ama tudo. De manhã, saindo pra escola, ele precisa usar um casaco por causa do vento gelado. E ele descobriu que ama usar casaco. Ao meio dia, quando chega da escola, ele precisa tomar banho no jardim porque a água do chuveiro é aquecida. Preciso nem dizer que ele ama tomar banho no jardim. No nosso jardim há cinco pés de acerola, que não pararam de dar frutos desde que a gente chegou aqui. A terra é preta e muito fértil. Aí já viu, João redescobriu sua relação com a natureza e vive de apanhar acerolas e plantar mudas ou sementes em potinhos de plástico. Nosso problema é com a fauna que prolifera abundante ao nosso redor : mosquitos de todos os tipos, baratas, ratos, sapos e, horror dos horrores, aranhas e cobras. A situação é tão crítica que até cogitamos a possibilidade de mudar de casa¿

Mas é facil deslumbrar-se aqui, principalmente para uma criança vinda de João Pessoa. Os parques são enormes, as livrarias são enormes, as videolocadoras são enormes, os shoppings são enormes ; tudo é bacana, limpo e organizado. Queria eu também estar deslumbrada com as coisas, mas infelizmente não sou muito impressionável e continuo querendo voltar correndo pra minha terra.

Guiom anda de saco cheio do trabalho, do calor, do Brasil. Em julho, enquanto eu estiver em João Pessoa, ele vai passar duas semanas na França, e eu sinceramente espero que ele mate a saudade de tudo lá, e volte um pouco mais animado, caso contrário, nossa ida para Paris virá bem mais cedo do que todo mundo imagina¿

Na última sexta-feira eu e João fomos passar a tarde na casa de uma amiguinha dele, a Júlia. Alias, a Júlia é a nova paixãozinha do João, os dois vivem grudados e se dão super bem. A tarde no condomínio onde ela mora foi ótima e nos divertimos pacas. Na casa dela tem uma cama elástica grande e eu e João fizemos a farra; depois fomos (com a Júlia, a mãe dela e as irmãs) pra piscina do clube que fica dentro do condomínio, e, farra mais uma vez. Depois fomos ao happy hour na casa dos vizinhos, com direito a vinho e tudo o mais. Conheci uma americana, a Jody, casada com um francês, e ela contou que os filhos dela, de cinco e três anos, falam inglês, francês e português. Ah, eu esqueci de contar que os pais da Júlia também falam em inglês com ela e as irmãs, de dez e doze anos (eles moraram sete anos nos EUA). Quando a Eneida (a mãe da Júlia) e a Jody me pergutaram se eu e Guiom falávamos em francês com João, eu respondi que não e fiquei me sentindo a maior ET. Mas, analisando bem, não é um pouco louco uma criança pequena falar três línguas ao mesmo tempo ?

No sábado foi o dia da entrevista da professora do João com os pais de cada criança individualmente. Ela falou mais ou menos o que eu já sabia : que o João conseguiu ser bem inserido e aceito no grupo (ufa!), que ele tem uma memória boa e uma criatividade fenomenal e que o problema com ele é que ele detesta perder numa argumentação. Aí fiquei pensando se isso não era um pouco culpa minha, pois toda vez que ele diz uma frase inspirada eu caio na risada achando aquilo o máximo, e não me preocupo muito em convencê-lo do contrário se ele está errado.

No domingo achei um site da escritora Sônia Hisch. Eu conheci a Sônia por indicação da minha amiga - irmã Lumy, que tem o "Só Para Mulheres", o melhor livro dela. Sônia escreve sobre a arte de viver bem a vida, o que inclui conselhos mais que úteis sobre alimentação, respiração, meditação, atividades físicas e saúde sexual. O site tem trechos de livros que fazem você ficar com vontade de comprá-los todos (bom, pelo menos é o que acontece comigo¿). Vale apenas dar ao menos uma espiada ; o endereço é www.correcotia.com.br.

Ontem eu peguei uma revista na sorveteria na qual batemos ponto toda semana. Uma revista legal, só sobre Barão Geraldo. Pra quem não sabe, Barão Geraldo é o distrito onde eu moro e onde fica a Unicamp ; é meio distante do centro de Campinas, mas pra mim, Barão é o que há de bom, tem de tudo aqui e o clima é uma mistura de cidade do interior com cidade universitária ; tem muita gente que defende a emancipação de Barão, mas acho que isso está longe de acontecer; em todo caso, só de gozação, eu costumo sempre dizer : "eu não moro em Campinas, eu moro em Barão", por causa disso, meu apelido agora é A Separatista. Enfim, adorei a revista, acho que vou assinar ; e um dia ainda edito uma revista assim. Se alguém tiver interesse em ler, deixo o endereço eletrônico : www.semana3.com.br.

Semana passada vi dois filmes do Woody Allen e adorei os dois. Um faz pate de um conjunto de três curtas chamado "Contos de Nova York" (os outros são do Scorcese e do Coppola, todos muito bons), e o outro chama-se "Zelig" e imita um documentário. "Zelig" é particularmente interessante, pelo formato, pelo humor refinado típico do diretor, pela crítica óbvia ululante à sociedade americana e pela atuação da Mia Farrow, que, para variar, desvia a atenção do personagem principal.

Guiom e João descobriram o Zé Ramalho e agora só escutam o cd duplo "Antologia Acústica". Fica chato porque eu tenho esse cd há anos e já escutei até dizer chega. Agora tenho que escutar de novo. Guiom acha o Zé genial, é o melhor cantor brasileiro do momento pra ele ; João diverte-se com as rimas. E eu me pergunto se sou só eu que às vezes acho o Zé inatingível¿ o que ele quer dizer com "não admito que me fale assim / eu sou o seu décimo-sexto pai" ou "disparo balas de canhão / é inútil pois existe um grão-vizir" ?

Dei um tempo na leitura de "O Povo Brasileiro" do Darcy Ribeiro e comecei a ler "Tonio Kroeger" do Thomas Mann ; estou gostando, é verdade, mas não entrará pra minha lista de favoritos. Apesar disso, senti especial empatia por alguns trechos:

E deixou a angulosa cidade natal, onde o vento soprava em volta das esguias cumeeiras, deixou o repuxo e a velha nogueira do jardim, os íntimos de sua infância, deixou também o mar que tanto amava e não sentiu mágoa com isso. Pois tinha crescido e ficara inteligente, compreendera o que se passava com ele e estava cheio de escárnio pela existência grosseira e baixa que por tanto tempo o segurara em seu meio.
Ele se entregou completamente ao poder que lhe parecia o mais elevado deste mundo, para os serviços aos quais se sentia destinado e que lhe prometiam grandeza e honra, ao poder do espirito e da palavra, que, sorrindo, reina sobre o mundo instintivo e mudo. Com seu jovem entusiasmo dedicou-se a ele, e este retribuiu-lhe com tudo o que tinha para presentear, dele tomando em pagamento, implacavelmente, tudo o que costuma exigir.
Aguçou o olhar, fazendo-o compenetrar-se das grandes palavras que enchem o peito do homem, descobriu-lhe as almas dos homens e a sua própria, deu-lhe clarividênia e mostrou-lhe o fim que está atrás das palavras e atos. Mas o que ele via era isto: comicidade e miséria ¿ comicidade e miséria.
Então veio a solidão, com o tormento e o orgulho da cognição, porque não se sentia bem no círculo dos inocentes com a alma alegre e obscura e estes, por sua vez, sentiam-se perturbados pelo sinal em sua testa. Mas a alegria nas palavras e nas formas se tornou cada vez mais doce para ele, pois costumava dizer (e já tomara nota disto) que o conhecimento da alma somente nos faria infalivelmente tristonhos, se o contentamento da expressão não nos coservasse acordados e alegres¿