Eu era Berkeley, o célebre filósofo sensualista que acreditava, dizem, que a subsistência das coisas dependeria da qualidade da percepção e não da feitiçaria da linguagem - e qual percepção eu poderia ter de mim mesmo naquele vão noturno que quase me engole num repente?
...então me vejo aqui em Bellagio já sem saber o que fazer de mim, tenho a intuição de que há muito não saio daqui de onde adivinho os meus despojos no pó que se levanta misturado ao sol que não me anima mais mas que me devora, devora-me no ocaso dessa hora que lenta cai atrás daquele monte lá na frente, com o topo já bem nevado de novo, o vento ardendo em minhas orelhas como se eu ainda as possuísse: estou aqui, só vejo o monte, a noite que rola pela encosta e esconde de mim a imagem que nem sei se tenho ou tive, se não fui um engano...
Eu era Berkeley em Bellagio, o bispo e filósofo irlandês em retiro pisando em folhas secas, me afastando da janela atrás da qual um pianista moderno e uma mulher vestida de outrora talvez ensaiassem alguma ópera, talvez chamada "Fantasia quase sonata depois de uma leitura de Dance", em honra sim de Liszt, que aqui vivera uma paixão fervida, enquanto eu caminhava com cuidado, temendo escorregar no limo da umidade, ouvindo Cosima quem sabe cantar em seu leito de morte qual a Dama das Camélias...
Nenhuma cena era mais pungente que essa, reservada apenas aquém tem o privilégio de morrer no próprio leito, cercado pelos seus amores, sabendo que a mão que afaga seus cabelos, e essa agora a segurar a sua como se do alto de uma embarcação puxando a mão do náufrago, que essas mãos são as únicas sensações de vida.
Esses são trechos de "Berkeley em Bellagio", um dos mais impressionantes romances que li nos últimos meses, de João Gilberto Noll, um cara que eu acho um gênio da literatura brasileira contemporânea (não que eu saiba tudo sobre o assunto, mas, eu leio um pouquinho às vezes...).
Hoje o post é só isso mesmo. Porque hoje eu me sinto uma típica personagem de Noll: perdida, sem rumo, sem lugar no pequeno mundo, sem noção de qualquer coisa que seja. Mas tudo bem... Acontece de vez em quando. E o mundo gira, mesmo tão pequeno. E a vida segue, mesmo tão incerta.
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15 comentários:
ô, Gio.. é este mundo que não sabe girar direito.. umas vezes corre outras vezes se arrasta.. (sem contar com as freadas bruscas). E a gente vai se surpreendendo com isso tudo, com tristezas e incertezas.. isso tudo faz com que os bons momentos sejam sempre os melhores!! Bah.. eu quis resumir um lance, terminei enrolando e não falando nada.. mas deixei minha pegada aqui, tá valendo! =oP Beijos.
PauLa
Todo mundo se perde :^)
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melancolia, aqui me tens de regresso
Laranja
boa, bruno, boa. mesmo assim, tu é chato, hein? bjins pra tu também paula! a pegada valeu sim!
Gio
sou, mas bem q tu gosta
Laranja
fazer o que, né? ninguém é perfeito... (no caso, eu, por gostar de tu apesar da chatice...)
Gio
Da lama ao caos, do caos à lama. Sabe? Ou, mais pop ainda... "não existiria som se não houvesse o silêncio" - porque é quando a gente se perde que se encontra melhor, e isso é logo depois, assim, na sequência.
Lilith
Lilith também é pop-filosofia-de-boteco-conselho/consolo-em-comentário-de-blog-é-algo-detestável... Pode me banir se quiser, fiz por merecer, Gio!
Lilith
arnaldo? hum, vc veio ao blog certo. mas prefiro chico science. :]
Laranja
eeeeeeeeeita que caguei o pau geral... a de arnaldo eh akela do 'e o som foi a primeira coisa q existiu', ou semelhante baboseira... tsc tsc
tenha medo
Essa da Lilith é Lulu Santos.. Ainda bem que dessa vez o Blogger me deixou ler esse post todo (só hj vi o fim do anterior). E o climão no ar..
Luís
lilith, eu adoro conselhos aqui no blog, viu? fique tranquila, nunca vou te banir. ei bruno! como assim, arnaldo é baboseira? olha o respeito!
Gio
eis que ela some de novo..
Laranja
sumi nada, tu é que já me deu mais atenção...
Gio
mas eu posso com uma coisa dessa..?
Laranja
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